quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O Revés da Imortalidade

“- Se os homens vivessem eternamente, sem nunca desaparecerem deste mundo, sem nunca envelhecerem nem perderem a saúde, acreditas que se davam ao trabalho de queimar os neurónios a pensar nisto e naquilo, como nós fazemos? Quero dizer, nós reflectimos sobre tudo e mais alguma coisa: Filosofia, psicologia, lógica. Religião. Literatura. Acreditas realmente que se a morte não existisse, essas ideias e esses conceitos tão complicados não estariam condenados a desaparecer da face da Terra? Isto é…
(…) o que penso é que as pessoas são obrigadas a reflectir sobre o significado da vida precisamente porque sabem que acabam por morrer um dia. Certo? Quem é que se daria ao trabalho de pensar a sério sobre o facto de estar vivo, se soubesse que continuaria a viver tranquilamente para sempre? Qual seria a necessidade? Ou então, mesmo que a necessidade de reflectir fosse real, o mais certo era as pessoas acabarem por dizer: «Tudo bem, ainda tenho muito tempo pela frente. Deixo isso para mais tarde.» Mas as coisas, na realidade, não são assim. Temos obrigação de pensar neste instante, aqui e agora.”


Haruki Marukami, “Crónica do Pássaro de Corda”

Foto: Hélio Mattos

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