sexta-feira, 27 de maio de 2011

A pequenez humana - Eduardo Sá


A pequenez humana

“A racionalidade, por vezes, engana. Sugere que não há nada que nos assuste porque, no fundo, tudo será mais ou menos acessível ao nosso entendimento. Mas, com sabedoria, a vida vai envolvendo a racionalidade num enorme «volto já!», e faz com que a nossa capacidade de entendimento não impeça que nos tornaremos profundamente desconhecidos de nós próprios.

Ao contrário do que um crescimento sem grandes sobressaltos e sem surpresas chocantes, trazidas pela Natureza nos faz acreditar, a vida mostra-nos, todos os dias, que somos pequeninos. Não controlamos o nosso corpo como, quando ignoramos os seus sinais, somos levados a imaginar. Nem somos «o exemplo» em que transformamos todas as histórias em que participámos, como, quando as contamos, se faz crer. Seria bom que nos lembrássemos, muitas vezes, de que, tirando as pessoas que nos são essenciais, a Natureza não perde o sono se ficar sem nós.

A racionalidade sugere que não há nada que nos assuste porque, no fundo, tudo será mais ou menos acessível ao nosso entendimento. E, no entanto, somos pequeninos diante da morte. Talvez se nos lembrássemos dela mais vezes não precisássemos de destruir os outros, desqualificando-os, iludindo a nossa pequenez, todos os dias.

Eu acho este «se eu não gostar de mim, quem é que gosta?», que se foi tornando banal, só é possível porque fomos crescendo num mundo com poucas catástrofes naturais à nossa porta, poucas guerras à nossa porta, poucas guerras ao pé de nós, e com a presença mais ou menos constante dos nossos pais durante a nossa infância. Um mundo que nos trouxe a ilusão de, à escala da Natureza, sermos tanto mais fortes quanto não precisássemos dos outros para nada.

E, no entanto, um mundo assim não nos torna mais vivos. Leva-nos a fugir da nossa pequenez, sem percebermos que a melhor forma de ficarmos presos a alguma coisa é fugirmos dela.”

Eduardo Sá, “Tudo o que o amor não é”
Foto: Internet

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