“(…) O que não significa que, no fundo, eu não sentisse o secreto desejo de me vingar de ti. No fundo, no fundo, ainda me sentia magoada pelo facto de teres passado uma vez a noite em casa daquela rapariga. Bem sei que me disseste que não aconteceu nada e eu acreditei em ti, mas isso não significava que a coisa ficasse resolvida. No fim de contas, são os sentimentos que estão em causa. Isto para dizer que não foi por vingança que te fui infiel. Lembro-me de te ter ameaçado, uma vez, mas isso foi da boca para fora. Se fui para a cama com ele, foi porque me apeteceu, mais nada. Uma vontade mais forte do que eu, à qual me foi impossível resistir.
Há já muito tempo que não nos víamos quando quis o destino que nos encontrássemos por causa de um assunto de trabalho. A seguir, fomos comer qualquer coisa e depois entrámos num bar para tomar um copo. Já sabes que não bebo, por isso fiquei-me por um sumo de laranja e não ingeri uma gota de álcool. Portanto, não foi por causa do álcool que aconteceu o que aconteceu. Tratou-se de um encontro normalíssimo, uma conversa o mais natural possível, mas a certa altura tocámos um no outro casualmente, e naquele preciso momento senti um desejo intenso de fazer amor com ele. No instante em que os nossos corpos se tocaram, percebi instintivamente que também ele me desejava. E que sabia que eu o desejava. Foi uma coisa perfeitamente irracional, uma espécie de descarga eléctrica paralisante que passou entre nós. Tive a sensação de que o céu desabafa sobre mim. Senti as faces a arder, o coração a bater desalmadamente, uma forte pressão no baixo-ventre. Mal me conseguia manter sentada no tamborete. A princípio não sabia bem o que me estava acontecer, mas não demorei muito a perceber que estava na presença do desejo sexual. Sentia por aquele homem um desejo físico tão violento que me senti à beira de sufocar. Sem que nenhum de nós tomasse a iniciativa, entrámos num hotel ali perto e fizemos amor como dois loucos.
Bem sei que me arrisco a ferir os teus sentimentos ao descrever-te a situação de uma forma tão crua, mas acredito que, a longo prazo, será melhor que saibas como tudo se passou, ao pormenor e com sinceridade. Por isso, ainda que seja doloroso para ti, peço-te que tenhas paciência e continues a ler.
Não posso dizer que estivesse apaixonada. Com efeito, o que fiz não tinha nada que ver com o «amor». Só sei que queria ter relações sexuais com ele, senti-lo dentro de mim. Pela primeira vez na minha vida desejava um homem ao ponto de me faltar a respiração. Tinha lido acerca de um «desejo irreprimível» nos livros, mas até àquele dia nunca soubera do que se tratava concretamente. (…)”
Haruki Murakami, “Crónica do Pássaro de Corda”
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